por Ilton Caldeira
O embate entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a mídia americana tem rendido muita polêmica dentro e fora do país. A terra da liberdade de expressão e da imprensa livre, um dos valores primordiais do modelo secular de democracia estabelecido nos Estados Unidos, não experimentava esse tipo de sensação, talvez, desde os anos de Richard Nixon na presidência, no fim dos anos de 1960 e começo da década de 1970.
Mas se por um lado esse cerco e rejeição à imprensa por parte do governo do país mais poderoso do mundo passa uma sensação de fim dos tempos para uma parte das pessoas que acompanham mais atentamente o desenrolar dos acontecimentos recentes, por outro parece ser a tábua de salvação momentânea para a crise que assola os meios de comunicação, dos mais variados portes e segmentos de negócios, em praticamente todo o mundo.
Após oito anos de relativa tranqüilidade, e até certo ponto monotonia, na Casa Branca sob a gestão do ex-presidente Barack Obama, o jornalismo, alvo principal do atual ocupante do posto, voltou a ser valorizado. O interesse pela chamada mídia tradicional foi reaceso.
É verdade que o jornalismo e a indústria da informação já experimentaram dias melhores em um passado não tão distante assim. Mas se o jeito temperamental de Trump, extremado, prepotente, superficial e muitas vezes impreciso quanto a números e fatos é inadmissível para muitos de seus opositores, para os veículos de imprensa tem sido positivo –pois existe uma abundante geração de notícias e polêmicas diariamente, muito conteúdo para oferecer às massas de consumidores de notícias.
As vendas de novas assinaturas de jornais como o “The New York Times”, “The Wall Street Journal”, “The Washington Post” crescem de forma robusta, em um movimento que não era visto em mais de uma década. As audiências das redes CNN e Fox, por exemplo, também foram turbinadas pelos efeitos da nova ordem e suas polêmicas constantes. Até os programas dedicados à comédia, que sempre exploram a velha e batida fórmula das caricaturas de membros do meio político e sobrevivem com audiência em níveis estabelecidos e com pouco espaço para alterações súbitas, têm experimentado novos patamares. Um exemplo é o semanal “Saturday Night Live”, que verifica seus maiores índices de espectadores em um período de vinte anos.
Se boa parte da birra e críticas contrárias a Trump é até certo ponto justificável, por outro lado é algo que flerta com a hipocrisia praticada por alguns segmentos da opinião pública. Porque os negócios ligados à produção e distribuição de conteúdo jornalístico têm tido acesso a um suprimento extra de oxigênio para tentar se ajustar a um novo modelo de business, mais ajustado à nova geração de leitores e espectadores acostumados com a agilidade das redes sociais e com os novos dispositivos e canais de consumo de notícias.
Não é mais possível, para as empresas jornalísticas, pagarem seus custos e obterem algum lucro do modo como sempre fizeram, por meio da fórmula tradicional de venda de assinaturas e comercialização de espaços para veiculação de publicidade. Um bom começo seria criar formas de voltar a se conectar melhor com o público de interesse. Buscar maneiras efetivas de entender como seguir sendo útil ou necessário para quem paga por notícia com seu tempo ou com dinheiro. Esse tipo de olhar, se já tivesse sido mais bemexplorado, poderia ter evitado o descompasso com a sociedade – cujo traço mais marcante, até o momento, foi subestimar as forças que elegeram Trump presidente nos Estados Unidos.
Com essa escorregada dos meios de comunicação, Trump, com sua habilidade de pautar a mídia conforme suas necessidades mais imediatas, vem tentando relativizar o valor do jornalismo, colocando o trabalho de profissionais em dúvida ou descrédito, deslegitimando a importância da imprensa livre.
Essa estratégia usada para abalar os meios tradicionais de informação abre um perigoso espaço para fortalecer o fenômeno “fake news”, as notícias falsas que viralizam de forma avassaladora e têm potencial global para causar estragos em negócios e reputações. Nesse tema em específico, existem algumas categorias que mais se destacam: as notícias que são deliberadamente “inventadas” para se ganhar dinheiro com cliques, audiência e outras métricas; o conteúdo criado única e exclusivamente para fins políticos, com freqüência mais forte em anos eleitorais; e informações disfarçadas de jornalismo, compartilhadas e distribuídas de forma negligente.
Com a internet e o poder das redes sociais nas mãos de bilhões de usuários, um caminho lógico a ser trilhado seria o da conscientização dos consumidores de conteúdo noticioso, sensibilizando-os para a diferença entre boato e jornalismo. Afinal, o convívio em sociedade baseia-se em direitos, deveres e responsabilidades. Um pressuposto básico seria não compartilhar informação sem ter muito conhecimento das fontes. Os jornalistas e profissionais de imprensa têm responsabilidades em relação à informação, e isso deveria ser também um valor coletivo.



