RINALDO SANTOS, O BRASILEIRO FAIXA PRETA QUE ESTÁ ENSINANDO ORLANDO A ARTE DO BRAZILIAN JIU-JITSU DE RAIZ
Dizem que jiu-jítsu é um pouco como religião: você se entrega a ele pela dor ou por amor. No caso de Rinaldo Santos, foi um pouco dos dois: aos 15 anos, brincando com um amigo nitidamente mais fraco, o carioca foi pego de surpresa em uma chave de braço. O golpe bem aplicado baixou todas as guardas de Rinaldo, que se rendeu à curiosidade e foi assistir a uma demonstração do esporte na academia liderada pelo reverenciado lutador Carlson Gracie, um dos maiores nomes do jiu-jítsu mundial.
A técnica milenar lapidada sob o sol do Rio de Janeiro deu-lhe o golpe final – o tatame seria para sempre sua terra prometida, e sua peregrinação começaria ali mesmo. “O Carlson disse que eu tinha um pescoço bom para o jiu-jítsu e que, treinando com ele, eu seria um campeão”, relembra Rinaldo.
Apesar da proposta tentadora, o hoje faixa preta confessa que buscou a modalidade pensando não em competições, mas na defesa pessoal. “Na primeira vez em que estive em uma academia de jiu-jítsu, assisti a uma demonstração de defesa pessoal e achei aquilo magnífico. Foi por isso que segui no esporte. Os campeonatos foram consequência, porque o Carlson sempre foi muito competidor e nos incentivava a participar dos torneios”, conta.
Rinaldo passou a frequentar assiduamente os tatames do Rio de Janeiro já aos 16 anos, em uma época em que o jiu-jítsu não era tão difundido e, talvez por isso, era mais exigente também. “As aulas na minha geração e na anterior eram pensadas para fazê-lo desistir. Era treinamento de guerra, que desestabilizava o seu estado emocional; era uma pressão muito grande”, pontua.
Não bastasse a severidade durante o treino, tudo o que cercava o mundo desse esporte era também mais criterioso. “Não era nada fácil mudar de faixa, por isso um faixa preta era quase um deus pra gente”, diz.
Por muita competência e um pouco de insistência, Rinaldo levou a sério os treinos e viu que tamanha rigorosidade por parte dos mestres valiam a pena, não só porque passou a ter lugar cativo no topo dos pódios mais importantes dos campeonatos de jiu-jítsu, mas também porque se viu amadurecer fora dos tatames. “Fui criado por um pai e uma mãe maravilhosos, mas não poso negar que o Carlson Gracie teve papel fundamental na minha formação”, sentencia.
A lembrança carinhosa e respeitosa do mestre o acompanhou por todas as faixas – e por todas as paredes das academias que liderou, já que um quadro saudando o amigo e professor sempre foi exposto em lugar nobre.
Mas não é apenas essa tradição, de honrar o próprio mestre, que Rinaldo mantém viva. Para ele, “A arte não pode perder a filosofia”, por isso, o carioca não treina com som, não admite que seus alunos deixem as faixas no chão, não permite a entrada de alunos sem quimono e reverência ao tatame.
Apesar da linha dura em alguns pontos e de ser declaradamente old school, o lutador admite que teve de aprender a ser mais soft para se adaptar ao jiu-jítsu do tempo moderno, que, em sua opinião, se tornou amplamente comercializável.
Formado em Educação Física, Rinaldo trouxe toda essa bagagem consigo quando se mudou de vez para os Estados Unidos, em 1º de junho de 2000, aos 28 anos. Desembarcou em Los Angeles, porque era pela Califórnia que o clã Gracie começou sua colonização americana. No início, desdobrava-se entre as aulas em Pasadena e Costa Mesa, duas regiões bem distantes da outra. Mas já que distância nunca foi problema para o carioca bom de briga, mudar-se para Chicago não lhe custou muito – foi atender um pedido do Junior, que precisava de reforço.
A expansão do Brazilian Jiu-Jitsu em solo americano fez com que Rinaldo gastasse as páginas de seu passaporte, sempre ajudando os Gracies a disseminar a arte marcial da qual se tornou devoto. Por ser o seu ponto de partida e o estado que lhe deu a base, a Califórnia tem um cantinho só seu na memória e no coração de Rinaldo, mas, nas andanças pelos Estados Unidos, ele gostou mesmo foi da Flórida, onde ouviu seu chamado.
Não demorou muito até que o faixa preta atendesse à voz do destino e do desejo, mudando-se de mala e cuia para lá. O começo, como sempre, não foi fácil: Rinaldo fez bicos de segurança e trabalhou para outras academias de jiu-jítsu, mas estava decidido a abrir a sua própria.
O sonho realizou-se e 2007, graças à ajuda do eterno amigo Lázaro Santos, que viabilizou a locação de seu primeiro espaço, em Orlando. Mais estabilizado e confiante, passou a comandar uma academia maior, e por anos funcionou bem, até que pediram a ele que montasse um programa de MMA apressado. Por não concordar com os termos impostos e decidido a não se curvar aos próprios valores, Rinaldo seguiu seu caminho até o espaço que detém hoje, na região de Winter Garden. “Na Califórnia aprendi inglês, fiz amigos para a vida inteira e me legalizei. Amo aquele lugar, mas meu crescimento pessoal aconteceu mesmo foi em Orlando”, assume.
Dividindo seu tempo entre a academia, aulas particulares, seminários e muitas viagens, Rinaldo antecipa o que podemos esperar de atletas dos Estados Unidos: “O americano não tem o nosso molejo, mas eles estão crescendo substancialmente. Aqui não tem distração; não tem feriado”.
Embora atribua o sucesso ao caráter metódico dos gringos, a gente sabe que a evolução dos atletas está muito mais ligada à entrega do professor, que não sabe ficar parado e acaba contagiando todos à sua volta. Fora dos treinos, a harmonia da equipe continua a ponto de Rinaldo confessar a plenos pulmões todo o seu orgulho pela união da equipe – um time que, tal qual o mestre, não foge à luta e à regra.



