O Brasil começou com indígenas, foi invadido por europeus que forçaram a vinda de povos africanos sob a condição de escravos. Essa é a história que está nos livros, mas uma pesquisa inédita revelou que é mais do que isso: está no nosso DNA. O estudo mostra que o Brasil é o país com a maior diversidade genética do mundo.
A pesquisa realizou, pela primeira vez, o sequenciamento completo e em larga escala do genoma da população brasileira. Foram analisados 2,7 mil brasileiros de todas as regiões do país, incluindo comunidades urbanas, rurais, ribeirinhas e indígenas.
Para entender: o DNA humano é 99,9% idêntico entre todas as pessoas. É no 0,1% restante que estão as pequenas variações que nos tornam únicos. O genoma, que é o conjunto completo do DNA de uma pessoa, é formado por 3 bilhões de bases.
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Brasil tem a maior diversidade genética do mundo — Foto: Fábio Tito/g1
A pesquisa, publicada nesta quinta-feira (15) na revista Science, analisou todas as bilhões de bases de cada uma das 2,7 mil pessoas. O resultado mostrou que o DNA do brasileiro é como um mosaico por causa das ancestralidades e, por isso, o mais diverso do mundo.
Além disso, o estudo descobriu que o DNA conta a história:
- Foram encontrados registros de povos indígenas exterminados na colonização, mas que ainda seguem vivos no DNA.
- Combinações de genomas africanos não encontrados na África porque só se misturaram no Brasil, onde foram trazidos como escravos.
- E rastros que mostram que o cromossomo paterno tem descendência europeia, enquanto as linhas maternas são africana ou indígena – resultado da violência sexual na colonização.
Mas é mais do que isso. O estudo pode acabar com o apagão de dados sobre o país e trazer esperança. A descoberta de doenças raras, estudos sobre por que algumas doenças são mais comuns que outras e até tratamentos são feitos com a ajuda de pesquisas que olham a genética. Só que toda a referência era europeia e americana, formada, majoritariamente, por pessoas brancas – um retrato bem diferente do Brasil.
Para se ter uma ideia, os pesquisadores encontraram 8,7 milhões de variações genéticas que nunca tinham sido catalogadas. Entre elas, genes associados a doenças como pressão alta, colesterol alto, obesidade, malária, hepatite, gripe, tuberculose, salmonelose e leishmaniose.
A miscigenação na história e no DNA do brasileiro
Os dados genéticos revelam a complexa rede social e étnica que se formou no Brasil ao longo dos últimos 500 anos. A nossa história, agora comprovada também pelo DNA, é marcada por encontros forçados, violência e apagamentos.
O país se forma a partir dos povos indígenas, nossos ancestrais originários. Com a chegada dos portugueses no século XVI, tem início a invasão do território, que abre espaço para a entrada de outros grupos europeus. Esse processo resultou no extermínio de boa parte das comunidades indígenas da época.
Durante a colonização, milhões de africanos de diferentes regiões do continente foram trazidos ao Brasil sob a condição de escravizados.
O que a pesquisa mostra é que essa história não está só nos livros, mas no traço do DNA que nos faz únicos e que é justamente essa história que nos faz tão miscigenados.
A pesquisa descobriu, por exemplo, que apesar de 90% dos povos originários terem sido extintos com a vinda dos europeus, eles seguem vivos nos brasileiros atuais, na forma de fragmentos de seus genomas.
Um outro achado é que foram encontradas combinações de genomas africanos não encontrados naquele continente por serem povos geograficamente distantes. Retirados à força da África, eles acabaram se encontrando no Brasil e se misturaram.
Além disso, o estudo trás um retrato da violência sexual no processo de colonização e que, até agora, está em nosso DNA.
O estudo apontou que a maioria das linhagens do cromossomo Y, que é herdado dos homens, era vindo de europeus (71%), enquanto a maioria das linhagens mitocondriais, que são herdadas das mulheres, era africana (42%) ou indígena (35%).
As primeiras misturas começaram nas regiões Nordeste e Sudeste. Depois, se expandem para o sul do Brasil e por último no Norte.
A pesquisa organizou os dados por macrorregião, criando perfis genéticos com base na ancestralidade local e mostra que:
- O Norte tem a maior proporção de ancestralidade indígena.
- O Nordeste se destaca pela presença mais expressiva da ancestralidade africana.
- O Sul tem uma predominância maior de origem europeia, principalmente do sul da Europa.
- O Centro-Oeste e Sudeste apresentam maior diversidade e mistura das três origens.
Apesar disso, as proporções variam inclusive dentro das regiões.
- Hipertensão
- Colesterol alto
- Obesidade
- Gripe
- Hepatite
- Tuberculose
Ainda não há como saber se as mutações são as responsáveis pela prevalência, mas a resposta do estudo é o início de um caminho importante a ser percorrido para melhores soluções em saúde pública.
E você pode se perguntar, como isso pode ajudar?
- No rastreio de doenças: seria possível ajudar a rastrear doenças como o câncer de mama e identificar quais mulheres precisam fazer mamografia só aos 40 anos e quais precisam fazer antes.
- Diagnóstico: a partir da identificação de um gene, seria possível saber quais são as predisposições a doenças, quais doenças e agir para prevenir.
- Na resposta a medicamentos: mutações genéticas podem alterar a forma como o corpo metaboliza certos remédios. Um organismo miscigenado, por exemplo, pode reagir de maneira diferente de um corpo com ancestralidade exclusivamente europeia, o que afeta a eficácia e a dosagem ideal do tratamento. Ao conhecer melhor os genes da população, seria possível calibrar medicamentos com mais precisão.
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Sequênciamento de DNA do brasileiro revela história do país — Foto: Getty Images via BBC
Outro ponto que os pesquisadores encontraram foi que pode ter ocorrido uma “seleção natural” para certos cruzamentos. De acordo com a análise, há variações genéticas que se repetem com muito mais frequência do que o natural.
Ao analisarem o genoma, os pesquisadores descobriram que os genes estavam ligados a fatores que podem ter favorecido uma “seleção” como fertilidade, metabolismo e resposta imune. Ou seja, as pessoas com esse gene se reproduziam mais, tinham um metabolismo mais acelerado e um sistema imune mais forte.
“O estudo indicou que algumas variações se repetem mais do que outras e isso não pareceu ser aleatório. Descobrimos essa conexão com genes que podem ter dado mais força. Agora, precisamos entender melhor essas correlações”, explicou Lygia Pereira. (com informações g1)



