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quarta-feira, maio 14, 2025

De que maneira o telégrafo abriu os caminhos para a internet

Em 2006, sem alarde nem muita divulgação, a empresa norte-americana Western Union aposentou definitivamente uma tecnologia que funcionou eficientemente durante mais de 150 anos: o telégrafo. Os últimos telegramas americanos foram enviados há sete anos para seus destinatários, e entre as derradeiras mensagens, havia condolências pelo fim do serviço, mensagens de aniversário e comunicação de pessoas que simplesmente queriam ser as últimas a utilizar esse valoroso meio de que funcionou ininterruptamente desde o Velho Oeste americano e o Império brasileiro até o terceiro milênio.

O jornalista da Associated Press que registrou a efeméride em um artigo publicado no New York Times pareceu olvidar-se de que a tecnologia atual que paga as contas dele é, de certa forma, um desdobramento filial do telégrafo. Estamos falando da rede mundial de computadores, a internet.

Na metade do século XIX, quando o telégrafo tornou possível enviar e receber notícias de grandes distâncias quase em tempo real, os jornais então em circulação em Nova York formaram a Associated Press como um grande conglomerado para explorar as notícias comercialmente. Na época, os correspondentes estrangeiros já eram tão pródigos em gastar o dinheiro dos seus patrões como os jornalistas contemporâneos, embora a web tenha reduzido substancialmente os orçamentos das empresas jornalísticas.

Vivemos hoje uma colossal revolução de mídia representada pela internet, tão profunda e importante como a invenção do livro, da câmera fotográfica e até, talvez, da nossa própria linguagem. Qual a similaridade da internet com o velho telégrafo da era Vitoriana? Tal e qual sua congênere contemporânea, o telégrafo era uma rede mundial com fio operada por pessoas clicando aparatos com os dedos. Assim como a internet, experimentou uma fase adolescente de descrédito e pouco uso, limitado ao envio de mensagens simples e inócuas.

Entre os primeiros beneficiados por seu advento estavam os homens de negócios das Bolsas americanas e europeias, que passaram a poder receber informações atualizadas sobre os valores das ações no mercado diretamente em seus escritórios. O telégrafo e a internet têm em comum o fato de que, pouco tempo após sua entrada em operação, se percebeu que a nova tecnologia possibilitava uma largura de banda bastante superior ao que originalmente se supunha.

No caso do telégrafo, foi a descoberta das transmissões duplex e quadruplex, e no caso da internet, a evolução da conexão discada para a banda larga.

Em ambas as revoluções tecnológicas, os pioneiros foram agraciados com patamares nunca antes alcançados de retorno financeiro. Samuel Morse, o inventor do telégrafo e do mundialmente famoso código homônimo, recebeu US$ 80 mil (cerca de US$ 800 mil hoje) por sua invenção intelectual, uma soma espantosa para a época.

Entretanto, apesar da comparação histórica entre o telégrafo e a internet revelar um desdobramento similar da tecnologia de comunicação através do tempo, a realidade é outra.

Para começar, a construção da rede telegráfica global requereu façanhas de engenharia física que nenhum executivo do Vale do Silício, na Califórnia, jamais imaginou, independentemente de quantas noites em claro tenha passado no escritório criando novos códigos virtuais.

A internet nasceu em berço de ouro apoiada por uma já existente – e eficiente – rede telefônica planetária, enquanto o telégrafo, para se tornar realidade, dependeu da instalação e extensão de uma vasta rede de postes e fios elétricos em nível mundial.

Para se ter apenas uma ideia, o estabelecimento da conexão básica entre a Europa e os Estados Unidos representou um trabalho épico que durou décadas entre erros e acertos até entrar em operação comercial regular depois da instalação de cerca de 2.500 km de cabos no leito do oceano Atlântico entre os dois continentes. Em 1858, quando a primeira linha de encontro dos cabos entre os navios partidos da Europa e as embarcações americanas aconteceu, depois de inúmeros fracassos, canhões saudaram o feito tecnológico, sinos de igrejas dobraram e manchetes de jornais estamparam o acontecimento.

Por outro lado, enquanto a internet cresce exponencialmente por força de seus próprios tentáculos eletrônicos, representados pelo número cada vez maior de computadores conectados à grande rede, o telégrafo, para desenvolver-se, dependia do advento de novas invenções para consolidar-se, tais como diferentes tipos de borracha capazes de suportar as pressões submarinas e tecnologia capaz de instalar esses cabos no fundo do oceano.

Antes que as comunicações telegráficas pudessem ser estabelecidas entre vários recantos do planeta, foi necessário desenvolver um poste de madeira imune a determinados tipos de cupins e parasitas que simplesmente destruíam a “grande rede de fios” necessária para fazer funcionar o sistema pioneiro.

E mais importante, antes que o telégrafo pudesse se tornar bem-sucedido, foi necessário implantar uma codificação de mensagens, inventada por Samuel Morse, capaz de padronizar a infinita variedade concreta e abstrata das manifestações humanas e reduzi-las a pulsos elétricos, enquanto, na grande rede, nos comunicamos mundo afora em nossas próprias línguas e símbolos, escritas e faladas.

A internet experimentou o privilégio de já nascer protegida pelo sucesso da comunicação telefônica, utilizando-se, nos seus primórdios, da técnica do dial-up para abrir suas portas aos usuários.

Hoje, em plena era da poderosa banda-larga, que cresce exponencialmente, não podemos deixar de situar o telégrafo como a primeira grande rede de comunicação global da história da humanidade nem de louvar os pioneiros que o desenvolveram, mesmo diante do incomparável poder da grande rede mundial de computadores, que nos legou a maior biblioteca instantânea do mundo contemporâneo.

Nehemias Gueiros Jr. é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Direito da Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e FGV-SP e da Escola Superior de Advocacia (ESA), AB/RJ, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados em Washington, D.C., e sócio do escritório ATEM & SÁ no Rio de Janeiro.

Revista Facebrasil – Edição 48 – 2015

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